Filhos de um Orfanato

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O dia iniciou agitado e silencioso. Fomos acordados rapidamente por um dos técnicos de comunicação. Os motores haviam parado.

– Acorda! sussurrou baixinho enquanto me puxava. Seguia chamando todos os outros que dormiam.

Havíamos recebido nos dias anteriores um comunicado de que uma embarcação submarina havia sido destruída. Não tinham como nos perceber. Na mensagem também existia a referência a uma nova tecnologia que poderia detectar nossos navios.
Estávamos acostumados aos sonares e a fugirmos deles ficando nas camadas de sombra. Um sonar não pode detectar um alvo que está nestas áreas em função da refração do som nas camadas de água com temperaturas diferentes. O navio que fora  afundado havia sido bombardeado em cruzeiro. Um momento não suspeito. A ideia era de que a marinha americana ou inglesa estava utilizando algum equipamento mais potente para se camuflar e para detectar nossas embarcações.

O motivo de nos acordarem rapidamente foi outra mensagem, recebida minutos antes. Em resumo… “Eles estão na sua área”.

Fomos instruídos a ficarmos quietos. Com os motores desligados, a temperatura dentro do navio desceu rapidamente. Eu tremia de frio.
Me recostei em um canto e fiquei o mais quieto que podia. Ouvíamos apenas os códigos da equipe sendo sussurrados. Barulhos de metal retorcendo, perdendo temperatura para a água gelada ao nosso redor.

Ouvia meus ossos retraindo, batendo e estalando… Ou seria medo? Não lembro desde quando não podia ouvir minha própria saliva sendo produzida, sentir meu estômago trabalhando e minhas tripas contraindo. Eu estava encolhido, o frio do aço atras de mim me dava pontadas. O ambiente começou a ficar úmido. Aos poucos, meus colegas foram se aproximando. Eu estava desatento… Sempre desatento…

Um toque acolhedor. Ombro colado ao meu. Olhei para o lado e ele estava ali. Nos cobriu. Havia trazido um cobertor e compartilhava o seu calor comigo. Percebi que outros colegas faziam o mesmo. Duplas e trios, se aquecendo com mantas, ombro a ombro. Estávamos nos agrupando. Esperando pelo momento em que a explosão nos atingiria, em que seríamos esmagados pela força da água.

– Fica calmo amigo. Eles não vão nos detectar. Vai dar certo… Vai dar certo… Ele tremia também. Mas seu rosto estava molhado de suor… Sentia o medo vertendo, cheirava o medo. Ele abre o braço e me acolhe, me aperta contra o peito.
– Meu irmão… Meu amigo… Me ajuda.
Eu ouvi isso através do seu corpo, junto sua respiração, pela pele do peito. O coração retumbando de medo. Um som macio, agitado, e aquela voz de menino homem, amedrontado, ressoando pelo seu corpo. Não me afastei. Não consegui me afastar.

Naquele momento éramos duas crianças, dois irmãos. Filhos de um orfanato. Não tínhamos mais casa nem cama. Abraçados, prostrados indefesos perante a força do medo. Não sentia medo da morte, mas de não termos outro sol. Pensava nos meus anos de faculdade, no ar. Nas meninas que eu havia cortejado, na cerveja e risadas.

Mas, naquele momento, só existia ele. O abraço, calor, cheiro e amor fraterno. A voz filtrada pelo seu corpo, batendo junto com o coração.

Abracei e apertei ele com força contra mim. A força no abraço durou segundos, ou horas. Me aninhei e olhei pra cima. Ele me observava, aqueles olhos sérios e fortes. A barba por fazer. Gratidão, um esboço de sorriso amedrontado.
– Amigo, eu te ajudo. Obrigado por isso…

Ficamos quietos, aguardando. Compartilhando a revelação de confiança. Me senti feliz e forte por mim, por ele. Meu amigo, meu irmão. Nosso calor, nossa união.
Meu amor. Somente meu.
Adormecemos.

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