Como parei de fumar

Este é um post pessoal e informativo… Já tentei fazer isso antes e realmente deu errado. Acabei escrevendo este texto aos poucos, a medida que as coisas iam acontecendo, então é uma bagunça sutilmente organizada.
Hoje, ao completar praticamente 4 meses sem cigarro, eu me sinto forte o suficiente pra falar sobre o assunto.

O que me fez parar de fumar:

Tenho 40 anos e estou chegando a um momento crítico onde tenho liberdade, uma certa estabilidade financeira, conheço meus limites e meu corpo começa a perder a força. Onde isso importa? Eu sei onde e como meu corpo funciona e sei o que eu posso e não posso fazer. E, neste momento, eu posso parar de fumar.

A pandemia me tirou muitas coisas, inclusive minha saúde mental. Precisei de várias perdas pra entender que eu estava totalmente quebrado emocionalmente. Também demorou um pouco para ficar claro que o ambiente onde eu estava não oferecia o espaço que eu precisava pra viver de maneira plena. Então, o fato de eu voltar a morar sozinho acabou trazendo um controle imenso sobre a minha vida e permitindo que eu pudesse tomar decisões importantes.

Não foi fácil a tomada de decisão em si. Fiquei vários dias organizando e organizando… Era algo que me incomodava muito, mas eu ficava no “só mais um”… Tem também uma preocupação com a estética do teu corpo. Eu sabia que ia engordar e tinha colocado um marcador no meu celular do meu peso limite, era 85. Cheguei a 84 kg…. Então, engordando os 10% que era esperado eu não ia ficar tão mal assim.

Neste processo tive a ajuda de amigos verdadeiros pra ajudar a construir o convencimento. Um desses parou de fumar há 3 anos e, aos poucos foi me falando sobre o processo dele.

Outro amigo, parou de fumar há vários anos e sempre fumava um ou outro comigo em dias de conversa. Com essas pessoas a ideia foi surgindo e se aprimorando, o convencimento foi sendo tratado. Não é fácil, as coisas comigo precisam ser conversadas e aos poucos assimiladas.

Foi fundamental ter pessoas que passaram por este processo e que não estavam dispostas a me julgar. Se tem algo que aprendi nestes dois últimos anos é que existem amigos incondicionais e existem pessoas que convivem contigo apenas. Amigos julgam de uma forma que não machuca, eles indicam possibilidades em vez de simplesmente dizerem que tu está errado. Então, tenho amigos, simples e claro assim.

Tenho hepatite B, e um dos possíveis desfechos é câncer de fígado. O cigarro aumenta muito essa possibilidade.

O cigarro custa, custa tempo, custa dinheiro e custa paciência.

Em períodos de reconstrução fica muito mais fácil fazer grandes reformas na vida. Esta eu sei que seria um movimento bastante difícil. É assim, se é pra sofrer, vamos sofrer tudo de uma vez.

O dia da interrupção:

Aconteceu que parei de fumar.

Foi em um dia, acordei, traguei o cigarro e apaguei… Foi isso. Não tinha mais desculpas nem nada me prendendo, era parar ou aceitar novamente que eu era incapaz de fazer uma mudança drástica na minha vida.

Nos primeiros dias eu ainda peguei um cigarro e dei uma tragada. Só uma tragada… Cortava a ponta e deixava num cantinho pra dar mais uma tragada. Isso durou por uns 3 dias. Cheguei a ficar louco olhando pra sacada e pensando em fumar, é uma vontade inimaginável.

O que eu senti de sintoma da abstinência? Primeiro a ausência de algo. Como se faltasse. Tão intensa quanto fome ou sede. Depois uma irritação absurda, irritação a ponto de esmurrar a parede e a todo o momento sabendo que é só dar um trago no cigarro que as coisas voltam ao normal. Isso é bem ruim. No terceiro dia eu resolvi ir em uma farmácia e comprar os produtos paliativos de nicotina. Só dormi mais ou menos a partir disso, depois do terceiro dia. Ao total fiquei uns 7 ou 8 dias sem dormir.

Comprei chicletes, os patches e chás. Comecei o o patch e taquei um chiclete… Deu um mal estar, mas um mal estar, uma náusea, terrível. Mas pensei, vamos lá. Já se passou algum tempo, então vamos lá.

No quarto dia resolvi sair de casa. Fui com um amigo no mercado e quase matei uma idosa irritante (tudo me irritava) eu achei que ia bater nas pessoas na rua. Ainda bem que meu amigo ficava tirando sarro da minha cara e rindo das minhas irritações, consegui.

Em alguns momentos dava uma vontade de fazer algo. E quando eu terminava alguma tarefa não sabia o que fazer. Parecia que estava esquecendo de alguma coisa muito importante. Fiquei quase paranoico sozinho em casa.

Mas, os poucos a vontade foi diminuindo.. diminuindo, e ai veio a tristeza.

Tristeza

Comecei a sentir uma tristeza. Como aquelas sensações de dor iminente, quando vai acontecer um ataque de pânico. A melhor explicação talvez seja a sensação de ter xingado alguém e machucado alguém emocionalmente. Aquele pesar constante.

Teve um dia que não consegui sair da cama de tanta tristeza. Liguei pra minha psiquiatra e marquei uma consulta pro outro dia.

Enfim… A médica me receitou um medicamento pra reduzir essa sensação, modificou a prescrição do meu antidepressivo e me explicou que, eu tinha perdido um amigo! O cigarro se comporta como um grande amigo da gente e quando a gente corta ele da vida, o cérebro age como se alguém muito importante tivesse desaparecido, como se alguém estivesse realmente morto. E era isso… Depressão de abandono, causada pela nicotina.

O relacionamento com meus amigos também foi alterado. Eu tenho todos os tipos de amigos, dos fumantes aos que odeiam nicotina, poucos amigos realmente conseguiam entender o que eu estava passando. Os fumantes talvez não entendessem os meus motivos pra parar de fumar. Quem nunca fumou não faz ideia do que eu estava passando. Sobraram os que pararam de fumar, e esses são poucos e não com o nível de afinidade que eu precisava no momento pra desabafar. Alguns amigos me irritaram profundamente, tanto que precisei me afastar. Simplesmente eles se negavam a tentar entender que eu estava tentando fazer alguma coisa grande. No momento eu não conseguia administrar pessoas diminuindo minhas sensações.

Mas em resumo, comecei a tomar os medicamentos, a combinação de antidepressivos não é fácil, perdi muito da minha cognição, mas me sentia melhor e conseguia dormir.

Pessoas e coisas

Bom, a primeira vez que beijei um fumante após parar de fumar fez com que eu percebesse o quanto eu fedia. Sério. Eu não fazia ideia do que era o cheiro do meu corpo, porque eu passei a sentir isso nos outros. Também comecei a sentir cheiro de cigarro em todos os meus objetos. Na minha cama, nos lençóis guardados, nos meus casacos, nos meus sapatos. Nas paredes do banheiro (e olha que perdi o hábito de fumar no banheiro há alguns anos), mas é o suor da gente que fede a cigarro e fica grudado em tudo.

Mesmo no meu apartamento novo, que eu não fumava dentro de casa. Tinha cheiro de cigarro nas minhas plantas.

Fiquei louco da cabeça limpando tudo, taquei água sanitária em todas as roupas de cama, lavei cobertores, lavei todas as peças de roupa do guarda roupa, me sentia sujo, meus dentes estavam sujos, minha pele estava suja… Que momento, tudo com a sensação de perda, com a lerdeza dos antidepressivos, a raiva.

Sendo muito franco. Parar de fumar é tranquilamente o processo mais difícil que passei na vida até o momento.

Passei a comer um pouco compulsivamente. Mas não era fome, era vontade de comer. Comecei a beber também, e a usar muito café. O interessante que não sentia vontade de fumar depois disso. Na verdade me confortava conseguir beber uma cerveja. O bom é que a cerveja ficou muito melhor, o gosto de praticamente tudo ficou melhor, mas o cheiro também ficou mais forte e meu nariz ficou muito mais sensível (tive os piores ataques de rinite que consigo lembrar).

Gastei uma grana no dentista pra fazer uma limpeza nos dentes, ai descobri que com a retração gengival que tenho, comecei a ter sangramentos ao comer qualquer coisa. A nicotina contrai os vasos e faz com que as gengivas não sangrem como deveriam. Eu já sabia disso, mas não gostei do resultado. Qualquer coisa ficava sangrando. Mas, faz parte.

Também percebi que perfumes tem um cheiro excelente e passei a gostar de usar (eu não gostava de usar perfumes, por incrível que pareça). Um mundo novo se abriu pra mim.

Novas sensações

Deixa de falar das coisas ruins, vamos falar agora das coisas boas. Primeiro que não é algo milagroso. A gente não para de fumar e começa a sentir tudo excelente. Na moral é o oposto. A gente acha tudo uma merda e fica a todo o momento louco pra fumar. Eu mesmo, fiquei sem escrever no meu blog porque simplesmente não conseguia fazer isso sem um cigarro (estou terminando este post 4 meses depois de iniciar).

Mas existem coisas boas. A primeira é o retorno dos cheiros e sabores. Percebam que tudo começa muito aos poucos, e a gente fica sem parâmetros, mas a primeira vez que eu bebi uma cerveja weiss depois de parar de fumar, eu achei que ia ter um troço. Chocolate que é algo que eu não gosto, eu passei a adorar. Todas as frutas, pão, coisas defumadas. Sei que ando novamente comendo coisas como se fosse a primeira vez e isso é incrível.

Passei a cozinhar melhor também. É um benefício que eu nem imaginava, mas com um paladar e olfato melhor, fica mais fácil acertar as combinações.

Outra coisa é o fôlego, o corpo continua cansando, mas a gente consegue fazer mais com a energia que tem. Isso gerou alguns bônus na potência, mais vontade de ir na academia, mais vontade de andar de bike (e também eu precisava fazer alguma coisa, porque ficar socado em casa o dia todo sem fazer nada é péssimo). Tinham trajetos que eu quase morria e que agora consigo fazer sem precisar descer da bicicleta. Muito bom.

Eu sei que psicologicamente minha percepção das coisas também mudou. O cigarro causa uma “lerdeza” na gente. Funciona como um estimulante mas também relaxa. Sei que comecei a dormir melhor, me senti mais produtivo fisicamente (não cansando tão fácil), e parece que minha cabeça ta funcionando de um jeito diferente. Não sei se é bom ou ruim, mas resolvi deixar nas coisas boas porque não pretendo fumar novamente (e isso é definitivo).

E o fato de tu não fumar te da a possibilidade de se relacionar com pessoas não fumantes. Então conheci pessoas que não me dariam nem oi pelo fato de eu ser fumante.

Enfim, não fumante?

Não sei, na verdade é uma batalha constante. Já usei marijuana depois de parar de fumar (eu sou daqueles que chapa com um tapa só) e não senti vontade de fumar um cigarro depois. Já fiquei com fumantes e não fumantes, já recebi amigos fumantes na minha casa (e eles fumam na sacada) e não tive vontade real de fumar.

Acho que sim, sou um não fumante. Mas como cada vez eu aprendo uma coisa nova na vida (e tudo modifica minha percepção da realidade) eu não sei se não voltarei a fumar. Tenho a intenção de não voltar mais, deu um trabalhão parar e eu não vi grandes prejuízos, engordei um pouco, mas não o suficiente pra me sentir mal, o resto é só alegria.

Fico um pouco chateado por ter perdido algumas oportunidades (e por ter chateado pessoas) sendo fumante. Mas também essa é a minha história, tenho consciência de que tudo que aconteceu me trouxe até aqui e, se hoje eu sou um ex fumante, significa que fui fumante por 22 anos da minha vida.

Se alguém estiver passando por este processo de parar de fumar, me procure que terei prazer em ajudar. Tem uma coisa que eu percebi neste processo todo, é que meus amigos foram cruciais para chegar no meu objetivo.

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