Torrente

Tudo é úmido, escuro e incolor. A névoa cobre o mato, o chão e o pomar.
O cheiro, denso, lembra musgo, frutas ácidas podres e solidão

No caminho, as pedras tornam-se monumentos. Cada um com seu formato incomum, mas indistinguíveis a um observador incauto. Algumas são altas e pontiagudas, outras são lisas e baixas. Existem também as perfuradas, as esquecidas e as deturpadas.

Passo a passo, volta a volta, curva e quebrada. Cada desdobramento envolve a próxima légua. A revolta desmancha redemoinhos, desintegra formas e traços, desenha espuma e lembra ao acaso.

Não está mais na alameda dos cardíacos, na baixa do centro ou na quadra da armada. O alto, sempre o alto. Agora o esquecido está límpido e calmo. O branco cresce por baixo do musgo, a paz se contrai.

O largo acumula a água, com a profundidade, as imperfeições são sobrepostas com fluidez. Não resta quase nada além de uma límpida expressão de lisura, calombos volumosos esparsos e.

Agora existe apenas a reação ao eventual movimento dos peixes, sapos, vento e da loucura.

O que será da torrente que virou lago?

Construiu realidades, criou barro, moldou as pedras, moveu o mato, a terra e quebrou expectativas?

Será congelado no escuro inverno? Será passageiro? Será significado ou evaporado na seca? Será que esse tempo precisa ser lembrado?

Não, tampouco sim. O passado está dissolvido no fundo. Embora não seja aparente, está ali, compondo as camadas que sustentam as águas leves da superfície.

Agora aguarda / guarda o tempo. Espera, paciente.

Embora não queira, o acaso traz pontadas da profundidade. Mas assim é. Esse foi o caminho e será.

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