Amanhã

Teste na mão.
Resultado: Não conclusivo.
Pânico…
O que farei?
– Tiago, vamos precisar repetir o teste, envia-lo para uma nova rodada de exames.
Sou positivo? Será que sou positivo?
Mas como? Eu sempre me cuidei…
– Bom, vou lhe encaminhar para uma nova coleta. Pode acompanhar o nosso colega.
– Não se preocupa. Hoje em dia os tratamentos permitem a não detecção do vírus no seu corpo e você terá uma vida completamente normal.
Não pode ser… Com quem vou conversar? Como vou explicar para a minha namorada? Não pode ser. Fome. Não como direoto há 2 dias… Fome..
– Tiago? Você está me ouvindo? Você está bem?

Som, suspiro, soro espetado na veia, uma maca.
Um rapaz de vinte e poucos anos deitado, pálido. Abre os olhos.
Onde estou?
– Alguém por favor!…

Um turbilhão de emoções, pensamentos, lembranças. Sou soropositivo… Sou soropositivo…
– O senhor está bem?
– O que aconteceu? Me explica?
– Você desmaiou na sala, tivemos que improvisar um pouco, mil desculpas.
A enfermeira havia chegado rápido.
Tiago olha para os lados, está em uma sala de consulta. Uma mesa e cadeira estão ao lado da maca de exames onde ele está deitado..
– Você está bem senhor senhor Tiago?
– Acho que sim.
– Neste momento você está no CTA da Cidade Baixa. Estava recebendo seu resultado do teste de sorologia para HIV e passou mal. Observamos que você estava com a pressão muito baixa e lhe colocamos no soro. Você se alimentou hoje?
– Não lembro…
– Aguarde um instante, logo conversaremos. Vou chamar nossa médica plantonista e a psicologa que está acompanhando o seu caso. Fique calmo, tudo dará certo.

15 minutos, 40 minutos. A porta abre. O choro vem fácil. Medo. Frio…

– Senhor Tiago, acalme-se. Consegue ficar sentado?
– Acho que sim.
Ele senta, coloca as pernas para fora da maca.
– Vamos repetir o teste, dentro de uma semana teremos o resultado. Caso o senhor seja soropositivo, teremos a opção de iniciarmos o tratamento imediatamente. Novo protocolo da Secretaria de Saúde.
– E a minha namorada Doutora? Como eu vou contar pra ela?
Um enfermeiro se aproxima do braço dele, mede sua pressão. O ruído do lado de fora é intenso. Crianças chorando, mulheres conversando.

– Esse assunto você precisa pensar com calma, e não agora. Primeiro vamos repetir os exames e conversaremos novamente? Pode ser?Eu sei que você já foi espetado hoje (um sorriso amigável), mas preciso te pedir que faça novamente a coleta.
– Ok

O Enfermeiro já havia retirado o soro do braço do rapaz. Ele permanecia sentado.

– Onde, o que faço agora? A médica aponta uma fileira de bancos, visível da porta
– Aguarde ali. Um enfermeiro já vai te chamar.

Ele levanta. Passos pesados. Senta ao lado de um senhor que está lendo o jornal despreocupadamente. Existem muitas cicatrizes em suas mãos. Banco duro. Ele aguarda.

Meu avô uma vez fora um idoso tranquilo. Vivia com minha vó em uma casinha simples, mas completa.
Naquela época ele era um velho forte, bonito, bem cuidado. Sempre praticando atividades físicas.
Sempre falou muito pouco sobre o seu passado. Toda a família sabia que ele havia lutado na guerra pelo lado dos alemães.
Entendíamos que ele havia matado muitas pessoas, visto e superado muitas coisas. A fuga da Alemanha após o término da guerra. A troca de nome, o reinício em um país totalmente novo.
Mas ele era uma pessoa forte. Um dos meu grandes ídolos e mentores. Inspirava um respeito superior. Um pouco de medo talvez.
Tudo mudou quando minha avó faleceu, uma complicação de um câncer de mama. Nem foi metástase ou algo assim. Um dos medicamentos que ela usava causou alterações no organismo todo. Ela sempre havia sido uma pessoa delicada e muito frágil. Não resistiu.
Ele se mudou pra nossa casa. No antigo quarto de empregada Convivíamos os 4. Meu pai. minha mãe, eu e ele.

Naquele dia cheguei em casa tarde. Me sentia tremendamente cansado.
Não havia acontecido nada de especial  durante o dia. Meu estágio  no escritório, depois a aula semanal na faculdade. Estava cursando um EAD, faculdade a distância. Todos os dias tinha algum texto pra ler, semanalmente uma  aula para conversar sobre o assunto que estava sendo tratado naquele período.

Meu avô estava na cozinha, bebendo um copo d’água.
– Bom noite Sr. Esteves.
Ele fez que não me ouviu.
Abri a geladeira. Ele passou por mim, olhos tristes. Acenou com a cabeça e entrou no seu quarto (que possuía porta para a cozinha).

Que cansaço. Vou dormir.
Deitei na minha cama. Pensamento importante. Fazer uma bateria de exames… Estou muito cansado ultimamente. Tenho apenas 22 anos. Não deve ser normal.
O celular vibra. Um ícone verde se ilumina na parte superior da tela. Luiza: Chegou bem amor?
Viro pro lado, amanhã converso com ela… Hoje preciso descansar.

Tiago não tarda a dormir. Observando pela janela sinto o murmurar de suas palavras. Sinto por ele. Sinto pelo Esteves. Mas o mundo é assim.

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