Quando uma árvore cai em uma floresta

Quando uma árvore cai em uma floresta, e não existe ninguém por perto, é possível ouvir o som?

Se não existe ninguém, aquele som, aquela sensação, emoção ou acontecimento tem algum sentido?

Vamos a um exemplo bastante lúdico:

Eu me sinto muito vivo, feliz. Um dia qualquer, sem pressa, peguei minha bicicleta e fui para uma trilha pouco explorada no meio do nada. Nessa trilha eu encontro uma cachoeira linda, incrível.

O dia está muito quente, escaldante, aquela cachoeira gelada. Eu tiro minha roupa (adoro tomar banho pelado nesses lugares) e me atiro sem medo. A sensação refrescante da água gelada, chego a ter um arrepio de frio quando entro. Tudo incrível. Passo mais ou menos uns 40 minutos ali. Depois, bastante cansado, deito na beirada da água e adormeço aguardando o sol me secar.

Visto minha roupa e volto lento e cansado pra casa. É uma sensação de completude perfeita. Tentem imaginar essa sensação. Fiz exatamente o que eu queria, na hora que eu queria, me sentindo completo, pleno e sozinho.

Não é ruim, de maneira alguma a ideia me traz algum pensamento negativo. Mas eu fico pensando, como seria se eu estivesse rindo com alguém no momento em que o frio tivesse feito meus pelos se arrepiarem. Ou se estivéssemos abraçados, nus, deitados ao sol, ensurdecidos pelo ruído da cachoeira.
.Se eu conseguisse comparar essas duas sensações, ainda não consigo chegar a alguma conclusão.

Naquele momento em especial, vivendo a sensação, tanto a opção de estar sozinho, quanto o estar acompanhado me parecem igualmente perfeitos.

Mas, como todo sabemos, nosso cérebro não vive as emoções em tempo real. Basicamente vivemos o que lembramos. Vou tentar explicar. Existe um certo tempo entre o que nossos olhos veem e o corpo sente e o que nossa mente processa. Então vivemos em um mundo de lembranças que se desdobra milésimos de segundos após o fato efetivamente ter acontecido.

De novo, vivemos em lembranças…

Então fico constatando. Tudo aquilo foi uma lembrança. Durante o fato já era lembrança.

Na minha vida, arbitrariamente vou viver essa lembrança intimamente, quando estiver me sentindo preso ou acuado, e, novamente, quando contar pra alguém que aconteceu. Mas ao replicar o momento, vou omitir algumas partes que são relativamente irrelevantes, como por exemplo que eu tive uma leve ereção quando cochilei nu ao sol enquanto me secava. Sabemos que falar sobre esses pequenos prazeres causa estranheza. Também sabemos que termos uma pequena excitação preguiçosa é um dos maiores prazeres íntimos que alguém pode ter.

Com o tempo, esse fato pouco repetido, se torna uma nuvem na lembrança. Simplesmente se perde, se esvai. Não tenho culpa se esse pequeno detalhe é irrelevante aos outros, ou que fomos criados em um mundo no qual essas intimidades tornaram-se algo pecaminoso ou sexualmente condenável. Qual o problema de ficar duro na beira do rio? Absolutamente Nenhum, mas este é um problema real. Eu posso sentir, mas não posso compartilhar e é assim que o mundo funciona.

Existe o argumento de que as experiências são individuais e isso é uma absoluta verdade, já que cada pessoa vive seu ponto de vista. Mas o compartilhamento de experiências não tem significado algum? Aquela situação ou relação não acrescenta absolutamente nada na experiência compartilhada?

A liberdade individual é tão diferente da liberdade compartilhada?

Eu só consigo concluir que se aquele momento fosse compartilhado com outro, é óbvio que ele seria lembrado de outro jeito. As sinapses seriam individualmente diferentes e portanto lembranças distintas, mas não seria perdido… E ainda existiria um terceiro conjunto de lembranças, A sensação da cumplicidade. Do compartilhamento de uma situação íntima entre duas pessoas. Estas lembranças seriam reforçadas todas as vezes em que esta história estivesse posta, mesmo que as palavras não fossem ditas.

Mas, como o casamento é algo inútil, não acredito na cumplicidade. Fico me perguntando os motivos que fazem com que tenhamos esta necessidade de compartilhar, e, se o correto e pleno é estar com alguém por momentos, ou períodos finitos e na maioria do tempo estar sozinho. Aproveitar os prazeres mundanos e se focar na concha do meu eu grande maior. Repetir constantemente para mim e para os outros de que a cumplicidade permanente entre pessoas é algo falido, sem propósito e totalmente irrelevante para a construção social humana. É algo feito para consumo, algo feito para construir e fortalecer as estruturas de posse.

É por isso que vivo um dia após o outro. Não existe interesse nenhum de cumplicidade. É óbvio que tudo tem seu preço e ser cumplice em uma hora boa, também implica em ser solidário no momento ruim. É mais fácil viver sem a cumplicidade porque ela implica em solidariedade.

Vivemos em um mundo egoísta, onde perdemos de compartilhar nossos prazeres íntimos, e portanto perdemos as próprias vivências destes para não termos responsabilidade com o outro.

E assim, se a árvore cai sozinha e ninguém ouve, ninguém lembra, portanto nunca existiu a árvore e talvez nem a floresta.

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