A Ancora e o Tsunami

É muito difícil prever um tsunami,
A massa de água pesada, destrutível e incontrolável que vai arrastando e destruindo casas, trepadeiras, plantas mortas, lustres, videogames, viagens. Também mata amores e sonhos. Desintegra as melhores intenções e os maiores esforços.
Como ja disse, um tsunami não é algo facilmente previsível. Em alguma das placas do mundo, abaixo de todos os níveis do mar, existem imperfeições e lacunas que são frágeis. Em algum momento essas camadas se rompem e se compactam, gerando um leve distúrbio. Esta flutuação vai se acumulando, se somando e quanto mais perto da orla, mais descomunal e desproporcional se torna.
Nunca fui perfeito, nunca me vendi como perfeito e nunca escondi meus defeitos. A experiência e o tempo me ensinaram que ocultar é pior do que exibir. Então fiz o que eu sei fazer.
Uma âncora é algo estático, no entanto permite flutuação. Ela prende o barco em um ponto, mas não impede que este tenha a liberdade de circular. Existe uma certa pressão, mas ela é sutilmente suave e ao mesmo tempo constante, o navegante não percebe, mas está aparentemente estável e seguro.
Eu gosto da segurança, embora seja flexível.
Quando nos conhecemos, vivíamos flutuando em um oceano de incertezas. As inseguranças faziam nossos dias serem lúdicos e divertidos. Nesta época não existiam ancoras, nem tsunamis, apenas flutuações, maré alta e baixa. De qualquer forma era rico e diverso. Eu particularmente não tinha nenhuma expectativa além de navegar, cada um no seu barco, mas em caminhos próximos e em uma trilha combinada e definida.
Optamos por seguir a aventura de estarmos vivendo na mesma embarcação, fazia sentido, os objetivos convergiam.

Nossa embarcação estava acabando de sair do cais. Era uma incerteza e ansiedade completa. Estávamos embelezando, sonhando e vivendo cada minuto. Era novo e incrível. Fizemos muitas coisas, vivemos intensamente nossos primeiros meses.

Ai veio o tsunami. Começou leve, estávamos livres, mas era necessário ancorar em um ponto. Ficamos ali, quietinhos, esperando o tempo melhorar. O tempo não melhorou, mas continuamos ali ancorados.

A estagnação trouxe a depressão, a depressão trouxe o distanciamento. Eu não fui a melhor companhia neste momento. É difícil conviver com a frieza que se instaurou. Todas as tentativas foram fracassadas, mas talvez pela força da ancoragem, estávamos aparentemente estáveis.
Quando se está no mais baixo, não se percebe o todo e isso é uma constatação crua da verdade. Eu estava tão deprimido e tão acuado que não percebi que existiam outros mares. Que o navegador companheiro estava ansiando por sua independência. Não percebi, realmente, que estava causando um mal.

O problema é que a âncora fica. Minha estabilidade atrasa, Impede os sonhos distantes de serem concretizados.
Eu casei com uma pessoa incrível, tal que não pode ficar presa e a um lugar. Mesmo com o arrasto forte do mar e a tentativa de estabilidade, a pressão agressiva da mudança estática desconstruiu os sonhos.

E agora, preciso me reinventar. Deixar que o barco bonito embelezado e sonhado seja destruído pelas flutuações do mundo, preciso ver que cada objeto e esperança seja desfeito.

Eu sei que nunca vai acontecer algo igual na minha ou na tua vida. E mesmo tu tendo a certeza e esperança de que seja melhor, não vai ser. Vai ser diferente, mas não melhor ou pior.
Nenhuma história é igual a outra, e esta é a nossa parte da vida. Da minha e da tua.

Como viajante de vários barcos, eu entendo como funciona. Espero o melhor, espero realmente que esta tempestade passe, e espero que eu possa em algum momento encontrar alguém em um porto menos fugaz, alguém que realmente queira suportar todas as variações do tempo em vez de ficar flutuando pela imensidão do mundo sem ponto fixo.

Se estou bem? Não. Mas ninguém precisa saber ou perceber isso.

O mudo vai continuar rodando, as marés vão continuar subindo e descendo. Cada dia será diverso e único.

E…. Eu sempre serei eu, e tu sempre será tu. E eu nunca mais serei tua âncora mas sempre serei lembrança.

13/05/20201

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