O dia depois de ontem

Depois do ocorrido no prostíbulo, ampliamos nosso contato. Nos tornamos melhores amigos.

Realmente, eu tinha a certeza de que queria ele por perto, mas não sabia se ele queria ou não. Aquela aparência austera sempre me deixou com medo. Comecei a me sentir inseguro com relação a o que éramos de verdade.

Ele estava sentado na cama, olhos fixos em uma fotografia.

– De quem é essa foto Medroso?

– Minha namorada, ela deve estar em casa pensando em mim agora. Penso nela sempre. Ela não me mandou mais cartas. Não sei como andam as coisas por lá.

Meu estômago deu uma volta. Ele tinha uma namorada este tempo todo? Ele ama ela? O que ele sente por mim? 

– Ótimo. Eu nunca tive facilidade com as mulheres. Tive algumas histórias, mas nada que me causasse comoção.
– A gente namora há 2 anos. Iríamos nos casar, mas a guerra tornou difícil as coisas. Achávamos realmente que seria um confronto curto. As coisas foram piorando cada vez mais até que eu fui convocado. As vezes ainda não acredito que realmente somos essa raça superior que os nossos comandantes falam. Não vejo claramente porque precisamos matar as pessoas. São os direitos deles terem suas casas, suas famílias. Se esta merda de guerra acabasse, eu poderia voltar pra casa e me casar. Ter uma vida feliz, ter filhos…
– Realmente não entendo isso. Pra mim somos apenas buchas de canhão. É difícil pensar que exista realmente um lado certo nisso tudo. A morte é um final tão definitivo. Não existe nada além da morte. Ninguém possui o direito de matar alguém.
– Minha família é muito religiosa Pequeno, sei que existe algo além disso. Sei que tudo isso tem uma razão de ser.
– Vou trabalhar Medroso. Tenho bastante coisa para fazer.  Vê se tenta não ficar tão triste. Talvez ela já tenha até arrumado outro, brinquei.

Ele virou outra pessoa, o rosto mudou, de um semblante tranquilo e pacífico, para um monstro descontrolado. Suas sobrancelhas franziram de tal forma que quase juntaram. Ele falou alto, forte e de maneira grosseira.

– Nem sonha isso Pequeno. Ela é a coisa mais importante da minha vida. Se aquela vadia estiver dando pra outro cara… Eu arranco os testículos dele!! Ela é minha!
– Mas rapaz, mês passado tu estava comendo uma puta… Porque só tu tem direito de fazer isso e ela não tem.
– Não sei pequeno. Não sei… Só sei que sinto uma raiva só de pensar que ela pode estar perto de alguém agora, beijando alguém, acariciando alguem… Será que ele fode melhor do que eu… Será que ele  beija melhor do que eu?Odeio isso. Tu não deveria falar isso cara. Sai daqui senão te quebro a cara também.

Fiquei realmente com medo. Me joguei nos meus cálculos diários de guerra. Tristeza. Meu Medroso é meu amigo mesmo. Meu amigo. Nada além disso… Nada além do que sempre fomos. É errado, mas eu quero ele pra mim.

Os dias se passaram, rotina.
Deitado no colchão acordo pensando na vida. Noite difícil. Sonhos conturbados. Penso no mundo que tenho agora

Bombardeamos uma ilha. Bombardeamos um cargueiro. Matamos, matamos… Será que essas pessoas eram felizes?O que será que faziam antes da guerra? Porque estão morrendo? 

Não consigo parar de pensar nisso. No motivo disso tudo, essa guerra idiota. Eu tinha minha casa, minha família. Minha cama, meu quarto. Tinha uma vida estruturada. Não preciso disso. Não precisava saber que ele existe. Ele não precisa existir. Se não fosse este cretino eu continuaria sem saber que existe isso dentro de mim. Quero arrancar isso daqui, quero desaparecer… Não quero ver ele nunca mais. Não quero mais ser amigo dele. Quero que ele suma pra sempre e se case e desapareça na historia. 

– Bom dia Pequeno!! Dormiu bem?
Não, por favor não… Não seja tão lindo pela manhã, eu realmente te odeio…
– Não. Estou cansado disso, desse colchão fedorento, desse lugar quente, desse barulho, da tua cara. Vou trabalhar
– Que grosseiria! Estou sendo simpático. Está faltando uma punheta pra acalmar
– Tenho muito o que fazer, vai te fuder.

Quero que ele morra. Não consigo imaginar ele tocando aquela mulher. Fico imaginando a cena. Ele, abraçado nela, após o sexo, dizendo “te amo” baixinho no ouvido. Ela, sentindo aquele abraço forte, com as costas encaixadas na barriga dele. Com as pernas dele sobre o corpo pequeno dela. Ela, suspirando respondendo – Também te amo, meu amor…. 

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